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Veículo: O GLOBO – RJ
Editoria: SOCIEDADE Tipo: Matéria Veiculação: 30/01/2019 Página: A25

Assunto: EDUCAÇÃO

ENSINO EM CASA

Associação de Educação Domiciliar é autora de Medida Provisória para liberar a prática

“Do ponto de vista político, a educação domiciliar pode ser uma estratégia de não ação para aquilo que dá trabalho e exige esforço de criação de políticas _ públicas”

Luciene Tognetta, educadora

“Como se garante que a criança está estudando? A escola acaba sendo também um espaço de proteção _ social” Andressa Pellanda, educadora

O texto da Medida Provisória sobre a permissão para pais educarem filhos em casa, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, foi elaborado pela Associação Nacional de Educação Domiciliar, da qual secretário-adjunto da pasta, Alexandre Moreira, é diretor. Anunciada como prioridade dos primeiros cem dias da gestão Bolsonaro, a permissão para pais substituírem a escola regular pelo ensino dos filhos em casa foi adotada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos por influência da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned). O diretor jurídico da entidade, Alexandre Magno Fernandes Moreira, é secretário-adjunto da Secretaria Nacional de Proteção Global do ministério desde o dia 14.

A adoção do modelo tem gerado preocupação na área educacional. Especialistas defendem que o ambiente escolar é fundamental para a formação integral da criança.

Moreira disse ontem ao GLOBO que o texto da Medida Provisória que o governo pretende enviar ao Congresso foi elaborado pela Aned, mas que ainda sofrerá modificações na Secretaria de Família e na Casa Civil. A redação inicial, segundo ele, é enxuta e traz como premissa o direito expresso de as famílias optarem pelo ensino domiciliar “a qualquer tempo” durante a educação básica, do ensino infantil ao médio.

A redação defende também a “igualdade de direitos” entre famílias que adotam o regime domiciliar e o escolar. O dispositivo é uma espécie de salvaguarda para que os praticantes da educação em casa possam se beneficiar de abatimento no Imposto de Renda decorrente de despesas escolares, como ocorre com as famílias que mantêm seus filhos em instituições particulares.

Outro objetivo da menção à igualdade de direitos é impedir que essas pessoas percam o benefício do Bolsa Família ou tenham problemas para começar a receber a transferência de renda. Hoje, é preciso provar que crianças e jovens estão matriculados e frequentando a escola para ter direito ao valor.

Há ainda a previsão de um registro público das famílias que adotam a prática, para facilitar a fiscalização. A redação sugerida não detalha qual órgão ficaria responsável por esse acompanhamento.

 

-A ideia é ter um texto enxuto, com espaço para que questões específicas sejam regulamentadas -diz Moreira, diretor jurídico da Aned e secretário-adjunto da Secretaria de Proteção Global.

A primeira investida da Aned foi com o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, que se mostrou simpático à ideia, no ano passado. Após a posse, em janeiro, a Aned se aproximou da equipe de Damares Alves, ministra da Família. A ideia passou a ser emplacar a pauta mais como um direito de liberdade das famílias e menos como uma questão de política educacional.

‘FUNDAMENTALISMOS’

Para os defensores da prática, há urgência na aprovação da medida porque recentemente o Supremo Tribunal Federal “jogou as famílias na ilegalidade” ao decidir que só pode ser feita educação domiciliar quando houver regulamentação (leia mais ao lado).

Entre argumentos como oferecer uma educação de maior qualidade e evitar episódios de bullying e violência, os adeptos do ensino em casa apontam a necessidade de preservar “princípios morais da família”, conforme descreve o site da Aned. O ponto é justamente o que desperta a preocupação de educadores.

-O avanço dos fundamentalismos religiosos e morais pode formar crianças e adolescentes pouco críticos, e há casos sensíveis quando se pensa que o trabalho infantil é realizado em sua maior taxa em espaços domésticos. Como se garante que a criança está estudando? A escola acaba sendo um espaço de proteção social – afirma Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

No portal da  Aned  há  a  informação  de  que  cerca  de  5  mil  famílias  praticam a educação domiciliar no país. O governo trabalha com um número bem mais alto, de 31 mil famílias.

Doutora em Psicologia Escolar, Luciene Tognetta refuta o argumento dos pais baseado na exposição ao bullying.